Então, os modernos sistemas multicanal colocaram por terra as velhas tecnologias “Mono” e “Estéreo”? Não necessariamente…
Por Gregor Milbers
Em plena era dos sistemas multicanal – com cinco, seis, sete ou até nove canais –, o “Estéreo” parece ultrapassado. Falar em “Mono”, então, é algo “jurássico” – ou, no mínimo, “geriátrico”.
Mas não é bem assim. Em se tratando de qualquer tecnologia nova, é importante ter em mente a aplicação para a qual esta foi desenvolvida. Novas aplicações podem demandar novas tecnologias – mas isso não quer dizer, necessariamente, que a tecnologia antiga tenha se tornado obsoleta.
Em uma gravação monofônica (Mono), todos os sons são gravados em um único canal. Este pode ser reproduzido por um, dois ou vários alto-falantes. Uma vez que cada falante reproduz exatamente o mesmo sinal daquele único canal, o sistema sempre será mono, independentemente da quantidade de falantes.
Mas o ser humano capta os sons por meio de dois ouvidos independentes – e com isso, consegue uma informação tridimensional, localizando com precisão as posições de diferentes fontes de áudio. Isto se deve ao fato de as duas orelhas estarem em lados opostos de nossas cabeças, recebendo os sons emitidos em um determinado lugar com minúsculas diferenças de fase e de tempo. Tais diferenças são o suficiente para, quando assistimos à apresentação de uma orquestra, por exemplo, sabermos (sem olhar) onde estão os diferentes grupos de instrumentos ou um solista.
Este “palco sonoro” não pode ser reproduzido com um sistema monofônico, pois a informação espacial “sumiu” na hora da gravação. Por isso surgiu, nos anos 1950, a estereofonia. Nesse sistema, o som é captado e gravado em dois canais com as diferenças em tempo e fase necessárias para o nosso cérebro criar uma “imagem” tridimensional. Consequentemente, a reprodução precisa ser feita com equipamentos que, através da cadeia acústica inteira, mantenham os dois canais separados.
Para que o efeito estereofônico seja corretamente percebido, há uma série de exigências quanto ao ambiente e ao posicionamento dos alto-falantes em relação ao ouvinte. A maioria dos leitores deve conhecer o “triângulo estereofônico” formado entre o ouvinte e as caixas acústicas. Em outras palavras: há um ponto específico (sweet spot) no qual o efeito Estéreo desenvolve todo o seu potencial e é capaz de reproduzir um palco sonoro tridimensional com alto (ou altíssimo) grau de realismo.
TECNOLOGIAS E APLICAÇÕES
Pois é: o problema é que, dificilmente, uma família inteira cabe dentro desse “ponto” privilegiado; muito menos, uma plateia de cinema. Para aumentar a área com um envolvimento acústico espacial, foram desenvolvidos vários sistemas multicanal, geralmente, focando a reprodução de trilhas sonoras de filmes e videogames. As novas possibilidades técnicas também são utilizadas por alguns artistas na criação de efeitos musicais completamente novos, mas não se trata de um fenômeno de massas.
Talvez seja interessante mencionar que, apesar da primeira transmissão em Estéreo ter sido realizada em 1925 pela BBC, uma emissora britânica, o primeiro disco estereofônico comercialmente disponível só apareceu em 1958. Como sempre, os cinemas estavam tecnologicamente à frente – e o primeiro filme em Estéreo foi apresentado por Walt Disney em 1940 (Fantasia).
Já em meados dos anos 1950, a sonorização multicanal virou padrão em produções cinematográficas de alto custo. Na área residencial, sistemas de reprodução multicanal começaram a aparecer no início dos anos 1980, ganharam terreno nos anos 1990 e tiveram um boom no final desta década, com a popularização das tecnologias digitais de decodificação. Então: um sistema multicanal moderno (5.1 ou 7.1) torna todos os demais anteriores obsoletos? A resposta é um claro e definitivo não.
Em primeiro lugar, de nada adianta um sistema de reprodução sem as gravações compatíveis. E as gravações multicanal, por mais utilizadas que sejam em filmes, têm uma penetração muito menor em gravações musicais. E com razão, pois, com o setup correto, um bom sistema Estéreo continua “não-superado” pelas gravações multicanal. Muitos DVDs têm gravações em Estéreo (2.0) bem superiores às gravações 5.1, por exemplo.
Em segundo lugar, há aplicações em que um sistema multicanal simplesmente não funciona, incluindo o Estéreo. É isso mesmo – às vezes, o Mono é melhor que o Estéreo. Até agora, discutimos sistemas de reprodução para pessoas (ouvintes ou espectadores) em posições estáticas, geralmente sentadas, olhando para um ponto fixo. Mas quando falamos em som ambiente, a realidade é outra. Um sistema de som ambiente visa levar uma sonorização uniforme em uma grande área onde pessoas circulam e/ou param em diversos lugares. Nesta situação, não só é impossível, como não faz sentido algum, tentar criar um palco sonoro ou ter sinais diferentes em lugares distintos do ambiente. Imaginemos uma sala de jantar com uma mesa para oito ou dez pessoas. Faria algum sentido os convidados de um lado da mesa escutarem só o canal direito da gravação – e as pessoas do outro lado, apenas o esquerdo?
Mesmo se houver duas pessoas no centro da mesa, em lados opostos, que estejam exatamente no meio de dois falantes, uma das duas estará ouvindo os canais invertidos. Esta pessoa (que, teoricamente, poderia desfrutar de um efeito estereofônico) precisaria estar sentada de frente para as caixas, o que exclui os modelos de embutir, justamente, os mais indicados para som ambiente. Portanto, por mais anacrônico que seja: som ambiente é mono!