Ponto de virada da Mostra CASACOR São Paulo

Com lindos ambientes e uma visão moderna de aspectos que impactam a sociedade, 36ª CASACOR São Paulo tem muito a oferecer aos visitantes

Até o dia 06 de agosto, o público poderá conferir as atrações da 36ª edição do principal evento da mais festejada e importante mostra de arquitetura, paisagismo e design de interiores das Américas. Estamos falando, é claro, da CASACOR São Paulo, que nunca deixa de surpreender com a originalidade e bom gosto de seus ambientes, idealizados por renomados profissionais desses segmentos.

Em 2023, o tema do evento (mais uma vez realizado no icônico Conjunto Nacional) é “Corpo & Morada”. Os organizadores brindam os visitantes com espaços belíssimos e sintonizados às principais tendências do morar, além de novas leituras e abordagens para abordar grandes questões do nosso tempo, como: inclusão, diversidade e sustentabilidade.

Vale destacar, ainda, que a atual edição da mostra acontece em um espaço ampliado, com mais de 11.000m² de área construída, e ocupa o mezanino e o terraço aberto do Conjunto Nacional. Entre os 73 ambientes apresentados ao público estão estúdios e lofts, casas, jardins, praças e ilhas de bem-estar, além de operações de restaurante, bar e café, banheiros unissex com espaço família e lojas.

Segundo os organizadores do evento, a tradicional mostra se encontra, hoje, em um ponto de virada, no qual cada vez mais se insere no universo das artes. O tema deste ano foi definido pelos curadores Livia Pedreira, Pedro Ariel Santana e Cris Ferraz, que se basearam em pesquisas de tendências.

“Podemos fazer muitas leituras do tema deste ano, que representa um momento de cuidado e atenção em diversas esferas”, complementa Livia Pedreira. “Quando falamos do planeta como morada, temos o conceito do corpo natureza, que está muito vivo e presente em toda a CASACOR”. A seguir, confira alguns dos espaços mais interessantes desta edição, que se sobressaem não apenas pela estética, mas por suas personalidades.

EMOÇÕES DE UMA VIDA

Ao compor o ambiente Casa Memórias Essenciais, o designer de interiores Felipe de Almeida (em sua primeira participação na CASACOR) recorreu a obras de arte, peças decorativas e móveis de seu acervo pessoal e de sua família. Com 125m², o projeto defende uma conectividade mais afetuosa. Revestimentos especiais (como a cerâmica fabricada com lama das barragens de Mariana, em Minas Gerais) ganham peso ao lado das texturas de madeira e tecidos. O profissional chama atenção para o fato de que, no lar, as pessoas compartilham os sonhos e a mesa, e que os pertences têm vidas próprias.

Cores, texturas e perfumes remetem a emoções que cristalizam as lembranças de toda uma vida. “É onde amamos e nos deixamos amar”, acrescenta o profissional “É no lar que se processa a vida cotidiana e onde se misturam antigas e novas referências que irão gerar as memórias essenciais”. Apaixonado por lares que acolhem, guardam histórias e avivam as melhores lembranças, Felipe de Almeida também acredita que a relação das pessoas com suas casas deve ser repensada.

“Os espaços de uma casa devem ser projetados de forma que aproximem as pessoas e favoreçam uma conectividade afetuosa”, destaca o designer de interiores. Movido por sua bagagem cultural e familiar, o artista buscou transformar o projeto em um espaço onde os estilos clássico e contemporâneo se complementassem para contar a história de uma casa que “abrace” as pessoas.

Ainda, o projeto é valorizado pelo uso de televisor da LG que se transforma em um quadro, além de tecidos, madeira e revestimentos naturais e orgânicos, que são a marca registrada de seus trabalhos. O convite para participar do evento partiu do curador Pedro Ariel, que viu, no estilo de Felipe, uma conexão com o tema desta edição, “Corpo & Morada”.

ACONCHEGANTE E FUNCIONAL

Criado por José Navarro (que também faz sua estreia na CASACOR São Paulo), o ambiente Casa Araxá aposta em objetos decorativos cheios de significado e remete à infância de seu idealizador. O projeto exalta a beleza de crescer em um ambiente com valores e tradição, mas com uma visão contemporânea da casa mineira. A estrutura metálica seca e o teto rebaixado deixam a morada de 110m², que conta com living, sala de jantar, cozinha e suíte máster, com ares de loft.

Sem encostarem no forro diretamente, as paredes garantem permeabilidade ao espaço, fazendo com que o verde se integre com a arquitetura. O uso de outros materiais naturais, como madeira e pedras, que foram reutilizadas, reforçam a harmonia entre os acabamentos. Importante frisar que o criador do projeto é um entusiasta da arte, além de Patrono da Pinacoteca de São Paulo. O arquiteto apostou em uma curadoria minuciosa de peças que deixa o local ainda mais exclusivo e interessante.

Logo na entrada, uma parede inspirada em uma obra do artista plástico Amílcar de Castro, impacta e recepciona quem chega. Já para a composição do interior, grande parte do mobiliário foi assinado pelo escritório, com exceção da mesa de jantar, uma escultura do artista plástico Franz Weissmann, as cadeiras de jantar, de Sérgio Rodrigues, a cadeira de balanço e a poltrona MP 131, do designer Percival Lafer.

O conceito do ambiente é construído em uma base neutra, que cresce com a escolha esmiuçada e quase exclusiva da decoração. A poltrona assinada por José Navarro na sala, junto com os tapetes da Phenicia, é uma garantia de conforto, enquanto o living é decorado com uma estante recheada de obras de arte, peças de vidro, livros e um relógio antigo do avô de Navarro. No banheiro, o conceito aberto dá leveza em conjunto com as plantas que emolduram a área externa, enquanto o paisagismo recorre a espécies nacionais e nativas, plenas de diversidade e brasilidade.

UM NOVO OLHAR

Convidando o público a lançar um novo olhar sobre o uso do tempo, proporcionando momentos de relaxamento e reflexão, o Refúgio Conexão é inspirado no conceito Slow Living (“Vida Lenta”) e leva a assinatura da talentosa arquiteta Isabella Nalon (à frente do escritório que leva o seu nome). Ao criar seu primeiro espaço no maior evento de arquitetura das Américas, a especialista apostou em uma estética que valoriza um estilo de morar mais leve e desacelerado. “A arquitetura exerce o papel de fortalecer o propósito de atenuar o ritmo para encontrarmos a paz e estabelecermos uma conexão saudável consigo mesmo e os outros”, afirma Isabella.

Nos 76m² deste espaço aconchegante e tranquilo, vários elementos são responsáveis por corresponder à essência de corpo e alma em toda a ambientação. Os materiais e objetos expostos remetem ao significado da simplicidade com sofisticação, valorizando a sustentabilidade e o que é feito à mão (com destaque para o artesanato produzido no Brasil). O Refúgio Conexão foi concebido como uma grande sala de estar e permite que nos reconectemos com nós mesmos e as demais pessoas.

A disposição do mobiliário é acolhedora e possibilita a prática de múltiplas atividades como ler um livro, conversar e relaxar após um dia estressante de trabalho. “É primordial pensar a casa como uma extensão de nós mesmos”, afirma a arquiteta. “Nosso olhar se volta em compreender como os ambientes podem contribuir para a nossa saúde física e mental e, dessa maneira, cada espaço deve refletir aquilo que mais funciona para cada um”.

Entre os materiais escolhidos para oferecer a melhor experiência ao visitante estão a lã, juta, o algodão, o barro e a palha, entre outros, compondo uma estética delicada e agradável por meio de texturas que convidam ao toque. Na entrada, uma divisória de palhinha tem a função de separar o ambiente dos demais de forma sutil. Com seu frescor, a palha não fica limitada apenas à entrada e pode ser vista nos encostos de cadeiras e em outros elementos decorativos. Já a naturalidade da madeira pode ser conferida com a magnitude de sua textura, que nos remete ao aconchego. No mobiliário, ela aparece na mesa de centro, na mesa de chá, na base para o sofá e no aparador. “Buscamos valorizar o feito à mão e o artesanato brasileiro, que traz personalidade e autenticidade ao projeto”, conta a arquiteta.

A composição de cores acolhedoras e suaves, criando uma sensação de monocromia (piso, parede e teto na mesma tonalidade), acompanhada pela diversidade de texturas, resulta em equilíbrio e estimula um novo ritmo ao cotidiano. Também chama atenção o mobiliário – sofás, poltronas e mesas, por conta de sua cor e forma, dão um toque de leveza ao espaço e suavizam a decoração.

As janelas que compõem o Conjunto Nacional, consagrado como patrimônio da arquitetura modernista, presenteiam com a luz oriunda da posição do prédio em plena Avenida Paulista com Rua Augusta. A iluminação natural, um dos pontos altos deste espaço, permeia toda a sua área e foi destacada e emoldurada por pórticos de madeira, reforçando a sensação de bem-estar. O tecido leve das cortinas é combinado com os brises de madeira e a vegetação.

As peças artesanais trazem charme à grande sala de estar, criando um jogo de cores e texturas repleto de personalidade. Com elas, o ambiente segue sua proposta de visual natural, com os jarros e vasos de barro exibidos na estante de nichos de drywall, a madeira nas caixas da década de 1950 e nas esculturas, o colar de sementes e o prato de cerâmica. E a técnica de pintura aplicada à parede é outro elemento decorativo que deixa o local mais acolhedor, pois o efeito velvet remete ao natural.

NA “MORADA DO SAMBA”

Assinado por Marcelo Salum, o ambiente Morada do Samba exalta as culturas africana e brasileira. Neste projeto, o profissional teve, como principal parceira, a Casa Riachuelo, marca nordestina que tem, como principal propósito, gerar conexão e ofertar produtos que despertem o desejo de tornar o lar em um refúgio. “É uma oportunidade ímpar de prestar a devida homenagem à cultura africana, que ajudou fortemente a construir a identidade brasileira com suas cores, texturas, ritmos, religiosidade e simbologias”, ressalta o arquiteto.

A influência para o nome do espaço e sua relação com o tema “Corpo & Morada” vem do entendimento de que o corpo é a nossa casa e nos expressamos por meio dele, de nossa cultura. O samba é um dos movimentos culturais mais característicos do Brasil, que nasceu como uma forma de libertação, por meio da música e da dança, sob forte influência da África. Embora goste de música em geral, Salum tem fortes memórias afetivas do samba, que costumava embalar as festas organizadas por sua família. Assistindo aos desfiles das Escolas de Samba na TV, ele também se encantava com as cores e fantasias criativas.

“Como uma empresa 100% brasileira, não haveria maneira melhor de reverenciar um dos principais símbolos e patrimônios culturais imateriais do país”, afirma Edgard Nicola Sanches, Diretor Comercial da Casa Riachuelo. “Acreditamos no poder da música para gerar conversas por meio não somente das letras, mas dos sentimentos que despertam e experiências que proporcionam. O ambiente do Salum traduz a brasilidade e forte influência das raízes do samba e tem o poder de nos levar para uma viagem na história, assim como em uma canção”.

O destaque desse espaço é a mistura de cores e produção cheia de detalhes e que ajuda a contar a história do ambiente. A Casa Riachuelo empresta a sofisticação e atemporalidade da coleção assinada junto à marca Allmost Vintage, vista nas cerâmicas dos pratos, bowls e xícaras nos tons de verde, azul e laranja, e combinada organicamente com outras peças da coleção de Outono-Inverno, como as taças e cestarias variadas. Essa coleção ainda aparece em outros ambientes do espaço, como o quarto, onde a colcha, porta-travesseiros, mantas e almofadas complementam o mix.

“Ter uma marca que se preocupa, assim como eu, em contar histórias e emprestar personalidade por meio de detalhes foi fundamental para a execução desse projeto, do qual tenho muito orgulho”, afirma o criador do espaço. Ainda, Salum observa que um ponto alto do espaço é a identidade olfativa com notas de Caju, assinada e desenvolvida pela Casa Riachuelo exclusivamente para o ambiente. Já as cores foram definidas a partir da escolha dos pisos. São três modelos diferentes, da Ceusa: Easy, Retrô e Flakes. Esses tons também chegam às paredes, pintadas em degradê, em duas diferentes cartelas: o coral e o verde, que também aparecem no revestimento de algumas paredes, a partir de painéis com desenhos inspirados na cultura Ashanti (mais especificamente, nas formas geométricas dos símbolos Adinkra).

No projeto, também se destacam algumas máscaras (elemento bem representativo da cultura africana) fornecidas pelo acervo museológico da Pangea. Vale ressaltar, ainda, a obra de Emerson Rocha, inspirada em uma fotografia de Alberto Henschel tirada em 1839, na Bahia, e duas esculturas de Daniel Jorge.Quanto ao mix de móveis utilizados, sobressaem as criações do escritório Marcelo Salum e do Estúdio Fresa, de Salum e Frederico Cruz, cuja inspiração vem da obra de Rubem Valentim, e que traz influências da cultura africana e seus símbolos religiosos, dando origem a duas poltronas e dois bancos. Em sintonia com a ideia de um mundo mais sustentável, a iluminação faz uso de luzes de LED (o projeto luminotécnico foi criado pela Ouse Iluminação).

COZINHA VIVA

À frente do BMA Studio, o arquiteto Bruno Moraes faz uma estreia memorável na CASACOR São Paulo por meio do ambiente Cozinha Funcional, que encanta com sua atmosfera despretensiosa, tons claros e presença marcante da madeira. O projeto se conecta a uma época em que as casas deixaram de ser apenas edificações, para se tornarem autênticos refúgios de reconexão, abrindo um portal para que as pessoas redescubram seus próprios lares.

“Esse sentimento é almejado não apenas em um contexto solitário, mas, também, como uma maneira efetiva de propiciar o contato e a interação entre os familiares”, destaca Bruno. “A arquitetura afetiva se traduz na construção desse elo com as moradas, que, por sua vez, contribui para nossa saúde mental, física e espiritual”.

Os visitantes começam a vivenciar essa atmosfera já na entrada. Com a proposta de uma cozinha viva, que transmite uma recepção calorosa, o espaço vai muito além de apenas preparar as refeições para acolher e interagir com quem chega. Tudo começa com uma fachada de brises, que, além de controlar a entrada de luminosidade e a privacidade, permite um pequeno spoiler dos 80 m² apresentados por Bruno (68m² para a cozinha e sala de jantar, somados aos 12m² para a cozinha de apoio, que fica atrás do ambiente).

Os brises da fachada abrem e fecham, criando uma conexão com o tema da CASACOR São Paulo. “A ideia foi projetar uma solução que permita olhar para fora, ver o jardim, ou também pode ser fechada, como nosso corpo, nossos olhos”, prossegue o arquiteto. “Essa fachada respira, ventila, abrindo seus brises, assim como os poros da nossa pele, que reagem de acordo com a temperatura”.

A recepção desperta o humor e a emoção ao promover o equilíbrio entre o poético e o funcional. A escultura Menino Além do Espelho, de Samuel Angelo, é um convite a viajar em recordações da infância enquanto prepara-se o menu entre as duas bancadas. Em um toque de ousadia, o espaço ainda faz uso de um tom rosa antigo, investindo-se de uma atmosfera descontraída e cheia de personalidade. Já a distribuição da marcenaria e de seus nichos é funcional, facilitando o ato de cozinhar.

“Uma das nossas principais preocupações era tornar presente a natureza em vários pontos do projeto, desde a transparência entre o brise, que permite visualizar o paisagismo externo, até o nicho dos temperos sobre a bancada e as plantas na prateleira superior”, acrescenta o autor do projeto. Com 4,4m de extensão, a bancada convida o morador a transformar ingredientes em receitas usando o cooktop e o apoio da coifa robusta. Banquetas Arturo (assinadas pelo designer Paulo Teixeira) revelam um desenho contemporâneo e surpreendente.

A influência da cultura e da arte indígenas é outro diferencial do projeto. “Trouxemos o trabalho do fotógrafo Rogerio Fernandes com imagens em tribos indígenas vivendo na natureza, a grande morada de todos”, revela o profissional. “Além de resgatar as origens de nosso país, os cliques expostos compõem uma Gallery Wall e se enquadram com o tema da mostra”.

“Sempre quis participar da mostra”, conclui Bruno. “Frequento a CASACOR antes mesmo de entrar na faculdade de arquitetura, em 2004 e, desde então, nunca perdi uma edição sequer. E após quase duas décadas, exulto em alegria pela oportunidade de mostrar meu trabalho”.

POPULAR E SUSTENTÁVEL

De Ester Carro (ativista e presidente do “Instituto Fazendinhando”), o ambiente Motirõ reúne os conceitos de moradia popular e sustentabilidade. Ao conceber esse espaço, Ester mergulhou em suas raízes, que estão na comunidade do Jardim Colombo, parte do Complexo de Paraisópolis, Zona Oeste de São Paulo.

Com 34m², o espaço conta com um quarto, banheiro, lavanderia e cozinha integrados. Ester conta que o projeto não foi concebido apenas para ser admirado, mas para promover o diálogo e inspirar os moradores do Jardim Colombo a explorarem novas possibilidades de moradia. No hall de entrada, o olhar do visitante é atraído para uma horta vertical e uma cisterna inteligente para o reaproveitamento da água das chuvas. O uso da técnica sustentável, como a captação e reutilização da água da chuva, é uma solução que, além de promover a conscientização ambiental, oferece benefícios práticos aos moradores.

Os móveis trazem grafismos desenhados pela artista indígena Waxamani Mehinako, uma forma de demonstrar que as famílias podem decorar seus próprios mobiliários. Parte dos revestimentos é feita com materiais reciclados, aplicado pelas Fazendeiras (mulheres capacitadas pelos projetos do Fazendinhando). Para compor a casa popular, a arquiteta especificou os revestimentos da Portinari em mais de um ambiente, utilizando os produtos em diferentes formas de aplicação, como na utilização da coleção York na bancada do banheiro e da cozinha, que apresenta uma nova possibilidade de utilizar os porcelanatos.

Outras coleções da Portinari contemplaram o espaço, incluindo a Contos, que marca presença nas paredes do banheiro e lavanderia e adiciona um toque de vivacidade ao ambiente, e a Nidus, um revestimento inspirado na madeira com tons claros. Segundo a autora do espaço, ao fazer suas escolhas de revestimentos, ela apostou em opções mais neutras para fortalecer as artes indígenas.

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