O que o Monstro de Frankenstein, Dorian Gray e os vampiros da era vitoriana têm em comum? Todos eles estão em Penny Dreadful, caprichada série de TV disponível em DVD no Brasil

Texto: Eduardo Torelli
Imagens: Divulgação

Lampiões a óleo, ruelas escuras, coches que se movimentam em meio à neblina e seres sobrenaturais… Muito bem costurados em uma trama de densidade literária, estes são alguns dos elementos que povoam a paisagem soturna de Penny Dreadful – uma série bem interessante, que, inicialmente, parecia destinada ao fracasso, seja por sua proposta ousada (que segue na contramão da “ultra-modernidade” dos sucessos populares recentes, como Orange is the New Black ou True Detective), seja por seu alto custo de produção.

Mas não é que, mesmo estreando timidamente na telinha, esta atração de época acabou conquistando um séquito fiel de fãs, que têm garantido a “sobrevivência” do programa até o momento? Rumo à terceira temporada, a série já está disponível em Blu-ray e DVD no Brasil, pelo selo Universal.

Ultrassimplificando bem a ideia, pode-se dizer que Penny Dreadful é um tipo de “A Liga Extraordinária”, só que com mais drama e erotismo envolvidos. Afinal: seguindo os passos da célebre graphic-novel de Alan Moore (já adaptada para o cinema, com Sean Connery como astro principal), a série mistura, em um mesmo universo, vários personagens da literatura clássica de horror – a saber: vampiros, o Dr. Frankenstein, Dorian Gray e até um lobisomem.

Mas isto não significa que o enredo seja repetitivo ou pouco original. Ao contrário: não faltam reviravoltas em sua narrativa, que deixam o espectador de olhos “pregados” na telinha. Quem gosta de tramas fantásticas e de produções de época bem-feitas não pode perder esta pequena obra-prima criada por John Logan (que também a produziu, junto com Sam Mendes).

Produção “classe A”
Penny Dreadful se passa na era vitoriana e deve seu título a certas publicações de terror que circulavam na Inglaterra do século XIX. Baratinhas e de apelo popular, tais ficções possuíam um forte apelo sensacionalista, devidamente mantido na série (embora o tratamento dado à história seja bem sofisticado; indiscutivelmente, é uma produção “Classe A”, apesar de lidar com questões “terroríficas” e ter um considerável conteúdo de violência). O programa estreou em maio de 2014 no Showtime OnDemand e, em seguida, no canal Showtime. No Brasil, é exibido no canal pago HBO.

Acontecimentos ainda mais surpreendentes devem vir por aí, o que já é tradição na série – mas, para entender o universo mal-assombrado de Penny Dreadful, é preciso assistir a esta primeira temporada. O principal protagonista é Sir Malcolm Murray (vivido pelo ator shakespereano Timothy Dalton, que também encarnou o superagente James Bond nos anos 1980), explorador britânico emprenhado em reencontrar sua filha, Mina Murray, que desapareceu em circunstâncias misteriosas. Por lidar com questões que transcendem o mundo racional (ao que se sabe, Mina foi abduzida por uma força sobrenatural), Sir Malcolm tem, como principal aliada, uma expert em ocultismo: Vanessa Ives (Eva Green, de Cassino Royale, em uma grande performance), médium que não se intimida em enfrentar o desconhecido.

Os dois formam uma estranha dupla e mantém uma relação quase de pai e filha, embora utilizem métodos antagônicos: Sir Malcolm procura se pautar pela razão, enquanto sua aliada é mais mística e intuitiva. A este cenário, já nos primeiros capítulos, somam-se outros personagens conhecidos do público: o infame cientista Frankenstein (obcecado por criar seres artificiais à imagem e semelhança do Homem) é um deles – assim como sua célebre Criatura, que só pensa em se vingar do homem que lhe conferiu vida e depois o abandonou. Ou Dorian Gray – icônico personagem de Oscar Wilde que se mantém eternamente jovem, enquanto uma pintura sua, guardada a sete chaves, é que sofre magicamente os efeitos do envelhecimento.

Personagens emblemáticos
O mais interessante é que a junção de todos esses personagens (cada um pinçado da obra de um grande autor) não é feita de modo estabanado – as situações não são “forçadas”, só para garantir que todos esses tipos dividam a tela ao mesmo tempo. Cada um tem autêntica relevância para a história e a ela se encaixa de forma coerente. O Dr. Frankenstein (Harry Treadaway), por exemplo, é o “adido científico” do grupo liderado por Sir Malcolm e Vanessa Ives.

Assim, ao mesmo tempo em que faz sua parte para elucidar o mistério que envolve o desaparecimento de Mina, o personagem lida com suas próprias atribulações – sendo, a principal delas, a perseguição que sofre por parte de seu “Monstro” (na série, apresentado de forma fiel ao texto de Mary Shelley; a criatura trazida à vida pelo cientista é sensível e inteligente, e não o “robô” abrutalhado e mudo celebrizado no clássico Frankenstein, filme estrelado por Boris Karloff em 1931).

Outro aliado dos mocinhos na luta contra as forças do Mal é o aventureiro Ethan Chandler – o único norte-americano do time. Chandler é um tipo enigmático, que desperta o interesse da bela Vanessa Ives. Entretanto, paira sobre ele uma ambiguidade que não passa despercebida à mocinha. Como se verá mais tarde, existem razões de sobra para se temer Chandler: ele é um lobisomem e, em noites de lua cheia, se transforma em uma fera assassina, à qual são atribuídos dezenas de assassinatos ocorridos na região.

Já Dorian Gray (Reeve Carney) é o “dínamo” que garante a alta carga de erotismo de Penny Dreadful. Afinal, o jovem Gray é um hedonista e suas paixões não conhecem limites. Ele se envolve com várias personagens ao longo da série, mas tais relações sempre têm um final trágico.

Temas sombrios 
Na segunda temporada, já exibida no Brasil, o enredo se complicou ainda mais e novos personagens bizarros disputaram com os protagonistas a atenção do público. Tudo indica que o terceiro ano da série será ainda mais surpreendente e revelador, já que este é o tipo de programa que parece se pautar mais pela qualidade do que pelo apelo popular. Indiscutivelmente, Penny Dreadful já se tornou um “cult”. É daquelas atrações sobre as quais as pessoas falarão durante muito tempo, a exemplo do que aconteceu com Dark Shadows ou Arquivo X.

Nada mau para o que, a princípio, era uma aposta incerta do canal Showtime, embora grandes nomes estivessem envolvidos no projeto (nunca é demais lembrar que John Logan e Sam Mendes são os responsáveis pelo melhor filme de James Bond produzido recentemente, Skyfall). Se você ainda não assistiu (e tem alguma simpatia por temas sombrios, desde que estes sejam tratados de forma criativa e elegante), esta é sua chance de adentrar o universo aterrador de Penny Dreadful. Os sustos estão garantidos!

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