Disponível na Netflix, “telebiografia” do astro pornô Rocco Siffredi conta uma história ao mesmo tempo exuberante e envolvente
Um filão que tem sido muito explorado na TV ultimamente é o das “telebiografias” – ou seja, adaptações para a telinha das vidas de pessoas famosas, sejam elas da seara política, das artes ou do entretenimento popular. A Netflix é uma das empresas que mais apostam nessas atrações e acaba de adicionar um novo título do gênero a seu acervo: Supersex, série com sete episódios que conta a vida conturbada de um dos maiores astros pornôs de todos os tempos: o italiano Rocco Siffredi.
Antes de tudo, vale destacar que, por sua temática naturalmente polêmica, Supersex tem momentos que podem ser considerados “pesados” para o público mais conservador. Obviamente, não seria possível dramatizar a vida de alguém que se tornou uma celebridade por atuar em produções eróticas sem recorrer a um bocado de cenas de nudez e sexo simulado. O público da Netflix, majoritariamente mais jovem e atraído por assuntos “fora da curva”, não irá se incomodar com isso, mas alguns espectadores talvez não aprovem a forma “crua” e direta com que os episódios retratam o sexo.
Dito isso, o importante é que, apesar das imagens fortes, a série é muito bem realizada e conta com excelentes atores, que injetam uma boa carga de drama no enredo. Ao mesmo tempo, enquanto assiste à jornada impetuosa e trágica do protagonista, o público revive as décadas de 1980 e 1990, reconstituída de forma magistral pela equipe de direção de arte. Foi naquele período que Rocco construiu sua reputação, estrelando nada menos que 1.500 filmes pornográficos, tanto na Europa como nos EUA.
REALIDADE E FICÇÃO
Apesar de sua relativa acuracidade biográfica em relação ao personagem principal, Supersex, nas palavras dos próprios realizadores, foi apenas “inspirada” em situações reais vivenciadas por Siffredi. A série se reservou o direito de “interpretar” algumas dessas situações, acrescentando-lhes tintas dramáticas e significados que traduzem a visão da roteirista Francesca Manieri (também criadora da atração) do verdadeiro Rocco. Da mesma forma, a direção dos episódios, creditada a Matteo Rovere, injeta cores quase surrealistas nas sequências eróticas da série, que têm um ar de delírio. Ou seja: a série passeia entre o documental e a ficção enquanto segue os passos do protagonista por um universo fascinante e, também, destrutivo.
No início de Supersex, acompanhamos os primeiros anos na vida de Rocco (interpretado por Saul Nanni e Alessandro Borghi, respectivamente, nas fases “jovem” e “adulta” do personagem). Em seus tempos de criança, Rocco leva uma vida humilde em uma região afastada da Itália, dividindo o teto com pais pobres e muito religiosos e três irmãos (um deles, portador de deficiência). O meio-irmão Tommaso é uma forte influência em sua vida, por ser um jovem emancipado e popular entre as mulheres. Rocco encontra a inspiração para sua futura carreira de ator pornô em uma revista pornográfica de Tommaso, que conta as aventuras do herói fictício “Supersex” (de onde vem o nome da série).
“GARANHÃO ITALIANO”
Quando chega à maioridade, Rocco se muda para Paris, onde passa a morar com Tommaso e sua bela esposa. O casal tem uma vida devassa, e isso leva o protagonista ao submundo de Paris e seus clubes fechados de strip-tease e shows eróticos. Aos poucos, esse universo vai absorvendo Rocco, que se torna um escravo de seus próprios fetiches e ingressa no segmento de filmes pornográficos. Em pouco tempo ele conquista a alcunha de “garanhão italiano” e se torna um dos nomes mais proeminentes desse gênero – primeiramente, na França e na Itália e, depois, nos EUA.
Paralelamente à sua ascensão como astro do pornô, o personagem tem uma vida trágica, envolvendo-se em relacionamentos amorosos que invariavelmente são destruídos por suas atividades na indústria de filmes adultos e sua busca obsessiva pelo prazer. Como já se ressaltou, a dramaticidade honesta da série e a forma sensível com que o roteiro explora as nuances psicológicas e emocionais do protagonista são razões suficientes para assistir à Supersex, desde que o inerente erotismo à trama não seja um problema para o espectador. Nãos se trata, de forma alguma, de uma produção vulgar, cujo único apelo são as sequências picantes. Há muita substância nos personagens e no enredo.
Antes mesmo de sua estreia, a série polemizou o debate nas redes sociais – houve até quem sugerisse um boicote à atração, por sua temática controvertida. Mas quem se dispuser a assisti-la encontrará um relato sincero e até comovente sobre um indivíduo que se permitiu viver de uma forma que muita gente sonhou viver – e pagou um preço por isso, enfrentando o preconceito da sociedade e até de alguns familiares, que nunca aceitaram suas escolhas. Hoje, o verdadeiro Rocco Siffredi está aposentado e muito bem casado com a também atriz Rosa Caracciolo, sua companheira há 25 anos. Mas, na telinha da Netflix, é o anti-herói de uma trama tão exuberante como curiosa e envolvente.